01. SR. JORGE, SERVIÇOS ACADÉMICOS

Francisca Silva: Vamos começar primeiro com umas perguntas mais “burocráticas”. Há quantos anos trabalha na FAUP? Jorge Vieira: Trabalho na Faup há 31 anos. É muito tempo.
FS: E no trabalho que faz o que é que gosta mais?
JV: Gosto de tudo. Gosto de todo o serviço que faço. Não há nada que eu goste mais pois tudo é do meu agrado. Gosto de conviver com os estudantes, conversar com eles e ajudar a desfazer dúvidas, quando me aparecem ao balcão. FS: Mas então se já trabalha cá há tantos anos, vai estabelecendo contacto com pessoas que passam de alunos a professores/arquitetos…
JV: Sim, já nem sei quantos me passaram pela frente. Arquitectos que se tornaram pais e que passados muitos anos vêm cá trazer os filhos para frequentarem o Curso que eles próprios tinham abraçado. O convívio com esta gente fez-me mudar bastante porque eu era uma pessoa um pouco fechada e ajudou-me muito na parte da comunicação. FS: E aqui na faculdade, qual é que é o seu espaço favorito?
JV: O meu espaço favorito? Não é que desgoste da Secretaria, da Biblioteca, etc…, mas do que mais gosto é do espaço e dos jardins do Edifício Antigo. Das suas cores e sombras. Pena é que o verde esteja confinado a esse espaço. FS: Mas relativamente aos jardins, acha que devia haver mais?
JV: Acho que devia haver mais espaços verdes para desfrutar. Espaços verdes para lazer e actividades lúdicas. Que bem fica aquela aquela panóplia de cores no muro que divide o antigo do novo. E as antigas árvores que são usadas no processo de aprendizagem do Desenho. Pena é que o Sr. Joaquim e a Dª Rosa tenham deixado a profissão de jardineiros para serem uns meros ajudantes de trolha. Sim, gostava que a nossa Faculdade tivesse mais arvoredo. Se fosse eu que mandasse, a estrada que vemos e que nos separa do rio, seria subterrânea, o terreno em frente elevado e transformado em jardim, com lindas árvores e muitos bancos em pedra. Então sim, deixaríamos de ter um terreno com pó, cascalho e carros e passaríamos a ter um dos espaços mais bonitos do Polo. Como eu gosto do espaço verde da Faculdade de Ciências! A Arquitectura Paisagista sempre serve para alguma coisa… FS: Temos a parte de baixo da árvore…
JV: Sim, no Edifício Novo o espaço mais bonito é o que fica em frente à biblioteca. FS: Ao longo do tempo que já está cá, que momento particular é que recorda com mais carinho? Um mais recente e outro mais afastado no tempo.
JV: Mais afastado no tempo, recordo-me da greve de fome que fiz. Foi uma coisa fantástica, um acontecimento maravilhoso, pelo que se conseguiu, pela união dos estudantes e dos professores para comigo, pelo amor demonstrado. E acho que, apesar de ter sido uma altura difícil estar ali tantos dias sem comer, foi do tempo mais agradável que eu passei. Agora assim recente…não sei. Comigo todos os momentos são bons. Gosto de servir... De momento até é um acontecimento muito triste que tolda todos os momentos alegres passados. FS: A sério?
JV: Sim. Quando vemos os amigos a partir, sejam professores, estudantes ou colegas, um pouco de nós também se desmorona. Há que nos levantarmos e com os momentos bons que passamos juntos, apagarmos o que de mais triste vai acontecendo. Mas custa, quando amamos os outros… FS: Por acaso também falei com alguns colegas para saber o que é que gostavam de perguntar ao Sr. Jorge. Então houve uma célebre pergunta que vou passar a ler: Já vi muitas fotografias do Sr. Jorge nos churrascos. Como começou a sua participação? Também dançava ao balcão ou ficava-se pelas fêveras?
JV: Os churrascos, fui eu que os comecei, com a Associação de Estudantes, da altura, na Casa Cor-de-Rosa. Nas Cavalariças funcionava Associação de Estudantes e um dia, a uma sexta-feira, lembrei-me de perguntar à malta da Associação se aceitavam um convite meu para um pequeno churrasco. Concordaram e então comprei o material necessário ao evento. Trouxe o garrafão de vinho, umas fêveras, um bocado de carvão, pão, fiz a fogueira e juntou-se a malta da associação e mais um ou outro amigo que apareceu. Foi um sucesso. A partir dali tem sido sempre a crescer. Não que seja um grande dançarino mas com uns copos também dava uns saltos. FS: Foi assim que começaram os churrascos então…
JV: Sim, o churrasco com meia dúzia de amigos, deu azo ao aparecimento dos grandes encontros que agora se fazem. Até já se faziam festas de anos. Tudo nos lindos jardins do Edifício Antigo, no exterior do Pavilhão Carlos Ramos. FS: Então está um bocado diferente daquilo que era.
JV: Sim, está um bocadinho diferente. Os estudantes também têm uma maneira de ser diferente. De vez em quando vou dando umas faltas porque já não vou para novo e às vezes os churrascos custam: o frio, o ter de vir trabalhar no dia seguinte, etc... Aproveito para dizer que nunca fui maltratado por qualquer Associação e que por vezes as minhas faltas se ficam a dever a compromissos com a família e com o que já disse. Mas sim, acho que está um bocadinho diferente. FS: Claro, agora com as consequências que têm tido…sempre que acaba um churrasco há qualquer coisa estragada por aí.
JV: Têm acontecido umas parvoíces que antigamente não aconteciam. Isto também, fruto da intrusão de muitos elementos, que não pertencem ao corpo estudantil da Faup. É uma pena que uma história com 30 anos termine desta forma. FS: E do que mais vai sentir saudades quando eventualmente deixar o trabalho na faculdade?
JV: Das pessoas. Começam-me a vir à mente todas as pessoas amigas que desapareceram, os que cá ficam, e é complicado. Eu gosto das pessoas, eu amo as pessoas. E será isso que depois me deixará saudade. Aparecerei cá para fazer alguns churrascos. Vim para aqui…sempre gostei de conviver com as pessoas, conversar, ajudar e é disso que vou ter mais pena. Não continuarei a ajudar aqui, com certeza que ajudarei fora, noutros âmbitos. Sempre gostei muito de ajudar as pessoas. FS: Eu também acho que, na minha condição neste momento como aluna, o que gosto mais é mesmo o ambiente, a atmosfera que se cria, apesar de estarmos um bocado isolados e fechados em nós próprios.
JV: Eu diria que, cada vez mais os estudantes, se separam uns dos outros, vivem mais para o individual e menos para o colectivo Até se chegou ao cúmulo de se roubar trabalhos dos colegas. Nos primórdios da Faup os estudantes conviviam mais, ajudavam-se uns aos outros. Em suma, eram mais amigos. Mas pronto, tudo tem as suas fases. FS: E também cabe a nós tentar que isso não aconteça. JV: Cabe a todos nós e a todos vós fazer de tudo para que o que atrás foi dito nos leve ao que pretendemos. Sem amor nada se consegue. Um conselho que dou é que os estudantes se dêem a conhecer uns aos outros. Que sejam amigos. Que olhem para o companheiro do lado e que saibam ler nas entrelinhas o mal de que o outro possa estar a padecer. Nem todos somos ricos, nem todos somos sãos. Que pensem que vão passar aqui 5 anos da sua vida e que a família diurna de cada um serão os companheiros que encontrarão neste espaço, quer sejam professores, estudantes ou funcionários.  FS: Mas já agora, eu sei que devia ter sido a pergunta inicial, mas como é que chegou aqui, como começou a trabalhar aqui? JV: Comecei a trabalhar com 18 anos, no laboratório de uma fábrica de tintas em Rio Tinto. Estive lá 10 anos e em 1987, ingressei na Faup. Na altura estavam a precisar de pessoal e o meu tio, o Senhor Ferreira, Carpinteiro da FAUP, falou de mim à Dª Maria Luisa que era a Chefe dos Serviços da FAUP. O Sr. Ferreira era um grande homem e um grande profissional. Neste momento está reformado. Uma das suas obras realizadas nesta Faculdade, foi a maqueta da Faculdade que está em exposição no Centro Georges Pompidou. Vim a uma entrevista com os Professores Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez, na altura responsáveis da Comissão Instaladora, e fui aceite. Comecei no expediente e, passado algum tempo, transitei para os Serviços Académicos. A partir daí foi sempre a andar. Os Serviços Académicos funcionavam na Casa Cor de Rosa e, como o espaço não era muito grande, conhecíamos todos os estudantes. Como eram em menor número também tornava mais fácil o processo. Eu sabia o nome dos alunos todos.
FS: E mesmo assim hoje em dia ainda vai sabendo!

Fotografia: Aúna Nunes