MENINA ISABEL E SILVANA, CENTRO DE CÓPIAS

Inês Vasconcelos: Podem começar por dizer o vosso nome, a vossa idade, onde vocês moram…
Silvana: Eu chamo-me Silvana, tenho 29 anos e sou de Vila do Conde.
Isabel: Sou a Isabel, tenho 40 anos e sou de Alfena.
IV: Há quanto tempo vocês trabalham cá na faculdade?
I: Eu há quatro anos. S: E eu há três anos. IV: E como surgiu a oportunidade de vir trabalhar para cá? I: Eu saí de uma empresa, também neste ramo, que abriu falência e fiquei logo aqui a trabalhar. Saí de um sítio e vim logo para outro. IV: A fazer o mesmo trabalho? I: Mais ou menos. Eu nunca tinha trabalhado com grandes formatos. Foi a primeira vez, foi uma fase difícil de adaptação. S: Eu estava a trabalhar numa empresa em Vila do Conde que, na altura, também abriram insolvência, fomos todos despedidos. Entretanto, a minha mãe era amiga do patrão e ele tinha um trabalhinho, mas era na FEP. Depois acabei por trocar com o colega que estava aqui, ele preferiu ir para lá e eu fiquei cá, a trabalhar com a Isabel. Nunca tinha trabalhado em nada deste género. IV: Então a adaptação ainda foi mais complicada… S: Sim. IV: E qual foi a primeira impressão relativamente ao edifício? Is: Eu acho que o edifício por dentro está um bocadinho mal estruturado… pelo menos no que diz respeito às casas de banho. Para mim foi um choque porque nunca tinha usado uma casa de banho mista. E uma casa de banho em frente a uma sala é sempre um bocado esquisito. S: Principalmente agora com os Erasmus que têm de estar cá fora à porta das salas a ter aula, uma pessoa para ir à casa de banho tem dificuldade em estar lá dentro. IV: Sim, nisso também concordo. E relativamente ao exterior? S: Eu não estranhei muito porque quando vim para cá ninguém me apresentou a faculdade, ou seja, eu não conheço metade da faculdade. Quando a gente chega, estaciona o carro e vem para aqui. Em termos de edifício é muito giro e agora com as obras ficou muito bonito. Ninguém pode dizer que é uma faculdade feia! Mete respeito! Em termos de instalações não estamos mal servidos. IV: E comparando o que achavam da faculdade quando chegaram cá e a experiência no presente? S: Eu pelo menos falo por mim, quando vim para cá metia-me tudo um bocado de medo, principalmente por causa dos grandes formatos e por ser a dimensão de faculdade que era. Uma coisa é trabalhar numa reprografia que só imprime A4 e outra coisa é chegares aqui a uma faculdade onde se imprime a grandes formatos e projetos e outro tipo de coisas. Tens de trabalhar um pouco de tudo para ajudar. E a interação com os alunos é muito diferente, não tem nada a ver. Mas com o tempo uma pessoa vai-se habituando. Nós acabamos por passar mais tempo aqui do que em casa, por isso, é como se fosse uma casa para nós. IV: Qual foi a primeira impressão que tiveram uma da outra? Is: Ai, foi amor à primeira vista! Somos almas gémeas! S: Foi uma coisa muito estranha… IV: Então têm uma relação muito próxima? Is: Sim, eu conheci-a quando ela veio para aqui trabalhar, mas parecia que já a conhecia há anos. IV + Maria Trindade: Ai que lindo!!!! <3 <3 <3 S: Eu quando comecei a trabalhar na FEP, nós não nos conhecíamos doutras lojas, fazíamos sempre um jantar de Natal, todos os anos. O primeiro jantar de Natal foi quando a conheci, aliás já tinhas ido para lá um dia ou outro para a FEP… Falávamos, mas nada de especial… Quando eu vim trabalhar para aqui é que foi mesmo… foi top! IV: Então é uma amizade que não se limita aqui ao espaço de trabalho! S: Não! Ela é minha madrinha de casamento. IV+MT: AI QUE LINDO! AHHHHH!!! Muito parabéns, já agora! S: Mas sim, nós trabalhamos muito bem. Is: Nós não sabemos o que nos reserva o amanhã, se vamos continuar juntas, se vamos sair juntas daqui, mas… é para a vida. Sem dúvida. IV: Agora fiquei mesmo feliz ao ouvir isto. A sério, isto é mesmo bom. FAUP a juntar pessoas desde sempre. S: É verdade. Se a gente não tivesse um bom ambiente a trabalhar, isto ia ser muito difícil. Is: É muita pressão… Se não nos dermos bem, não conseguiríamos aguentar o ritmo… S: Porque uma puxa pela outra. Is: Quando uma está em baixo, a outra puxa para cima. S: Vocês apercebem-se muito disso pelas entregas. Andamos aqui em parafuso e então brincamos sempre uma com a outra para tentar manter o ritmo. IV: Sinceramente, na última entrega cheguei aqui ao final da tarde e vocês estavam bem mais animadas que nós. Andavam aqui de um lado para o outro, cheias de energia… Eu super morta da entrega e vocês também cansadas, mas via-se mesmo que puxavam uma pela outra! S: Tem que ser senão não aguentávamos. IV: Pois, nas entregas é mesmo complicado. Ainda por cima vocês fazem tempo extra… S: Sim, nós entramos lá para as seis e tal da manhã… Is: E não temos horas de sair. S: Às vezes saímos daqui à meia noite. IV: O que vocês fazem por nós… E às vezes as pessoas nem conseguem valorizar… S: Temos de tudo… Is: Alguns sim, reconhecem. Outros nem por isso. MT: Acho que é falta de noção, também. S: E com o stress, já sabes como é… E sabes que há pessoas que são próximas a nós. Pessoas que passam cá frequentemente e já nos conhecem e entram na nossa brincadeira. Têm uma proximidade diferente. Outras pessoas só passam cá de vez em quando, não gostam tanto e até chegam mais stressadas. E sabes que não podemos agradar toda a gente, nem todos gostam de nós. Em todo o lado é assim. Mas as pessoas que gostam, reconhecem. E vemos isso porque nos dão miminhos, presentes. Isso é sempre um gesto muito agradável! É engraçado ver por parte das pessoas que nos reconhecem. É por esses que fazemos um esforço. IV: É muito bom ver essa relação entre os funcionários e os alunos. Se calhar noutras faculdades isto até nem seria possível. A nossa faculdade acaba por ser mais pequena, estamos mais tempo juntos, ao contrário do que acontece noutras escolas. Is: Acho que estamos todos muito mais próximos uns dos outros. IV: O que gostam menos da faculdade? No meio de tantas coisas boas que já falamos… Is: Eu acho que é a pressa que os alunos têm em determinadas situações. Por exemplo, nós vimos sempre para aqui mais cedo para imprimir os emails para adiantar o serviço e alguns mandam emails a dizer: Quero isto para as nove. É assim, tu queres para as nove, mas eu começo a trabalhar às nove… E eu venho para aqui mais cedo, dispenso de um bocadinho do meu tempo para começar a trabalhar, mas para vos facilitar a vida e adiantar o meu trabalho. Mas não tenho essa obrigação! E muita gente chega aqui às nove e diz assim: Como assim não está impresso?? S: Já levamos algumas respostas assim um bocado tortas… Is: E isso é a única situação desagradável, é o que gosto menos. S: O facto de as pessoas não terem um bocado de sensibilidade para o horário. Nós não temos problema nenhum em vir para aqui mais cedo. Apesar de não vivermos muito longe, temos sempre de contar com o trânsito. Chegamos às oito e quarto, oito e meia. Vimos para dentro, ligamos os computadores e vamos adiantando serviço. É tão bom para vocês como para nós chegar aqui de manhã e levantarem um email, ir à vossa aula e continuarem a vossa vida sossegados. Só que há pessoas que não entendem isso. E há situações em que o pessoal quer passar à frente e perguntam se têm de estar na fila. Há pessoas que estão aqui às nove em ponto e eu não posso estar aqui a passar toda a gente à frente que tem emails e os outros estarem aqui a horas e não terem prioridade. Is: O email não tem prioridade, simplesmente serve para vos facilitar a vida. Se estiver impresso, nós acabamos de atender quem estamos a atender na altura e vamos buscar o vosso email, mas tem de haver uma certa regra porque senão ninguém se entende. S: Nas entregas é uma cena absurda… Nós temos cem emails, por aí… IV: Qual o espaço na faculdade que mais gostam? Is: Aqui, porque estamos uma com a outra. S: A gente não conhece muito bem a faculdade fora destas quatro paredes, não passamos nenhum tempo fora de cá. Não temos um local específico na faculdade que gostemos mais. IV: O que gostam de fazer nos tempos livres? Como é a vossa vida fora daqui? S: Adoro ler! Ler, passear, jantar fora, ir ao cinema… São coisas que para mim… Eu sou romântica incurável! Livros de romance… Eu perco-me naquele meu mundinho. Dou cabo de um livro num dia. Is: É um bocadinho isso, sim. S: É aquele tempo só para nós. S: Eu ao sábado e ao domingo é basicamente sempre a mesma coisa: ler, sair à noite, jantar. Is: Eu gosto de dançar! S: Ela dança de tudo! Is: Kizomba, música latina... S: Por isso é que ela quer sair às sete para ir dançar e nunca consegue! Is: Fico doente quando não consigo… S: Por isso é que ela às vezes anda mais triste durante a semana, porque tem os dias específicos para ir e às vezes o pessoal chega aqui às sete e depois não consegue. É o que ela fica mais de coração apertado por não conseguir fazer. Is: E depois ainda tenho filhos e tenho de orientar a minha vida em casa para poder fazer aquilo que gosto. Eu tenho dois filhos, com 16 e com 9 anos. IV: Como é a relação com outros funcionários da faculdade? Is: Acho que é boa, damo-nos bem com toda a gente. Professores não conhecemos todos. IV: Algum momento ou história cá na faculdade que gostariam de partilhar? Is: Quando vim para aqui trabalhar houve um aluno que me deixou a chorar o dia todo. Fez uma reclamação sem nexo e como eu ainda não estava habituada a lidar com «pessoas deste género» e ele é, realmente, uma pessoa difícil. Hoje em dia até me dou bastante bem com ele e gosto dele, mas no início tive um choque muito grande. Por causa do volume de trabalho, da impressão de grandes formatos… Ele era uma pessoa muito especial e começou a reclamar comigo por uma coisa que não tinha pés nem cabeça e eu respondi-lhe. S: Sabes quanto tu te habituas a uma pessoa e depois há aquele choque de mudança? E tudo o que possas arranjar para pegar, pegas. E era o início dela… Is: Eu respondi-lhe e não lhe caiu bem a ele. E a discussão começou ali e ele chegou a pedir o livro de reclamações. Escreveu, mas depois anulou. O patrão estava aqui, falou com ele, acalmou-o. Mas o que é certo é que fiquei tão nervosa que eu não conseguia parar de chorar naquele dia. Foi um caos. O pior dia de todos, sem dúvida que foi esse. Nem nas entregas eu algum dia fiquei assim. S: Isso era porque eu ainda não estava cá… Is: E também houve outra menina que numa entrega nós tínhamos cem emails na caixa de entrada quando viemos cá às seis da manhã para começar a trabalhar. Por azar, calhou de pararmos exatamente no email dela e partir daí começamos a atender quem estava aqui presencialmente. Ela só chegou aqui às quatro da tarde e ficou indignada porque o mail dela ainda não estava impresso. S: Fez a tal pergunta: “Eu enviei por email, já posso levantar?” E eu disse que não conseguia imprimir porque tinha as máquinas carregadas e que o mail ainda não estava impresso. Não tínhamos tido tempo e os emails a ser impressos eram das pessoas que estavam lá realmente. Is: E ficou chateada porque um amigo dela que tinha mandado mail depois dela já tinha o mail impresso. Eu disse-lhe que ele estava lá às nove e que tinha sido obrigada a imprimir, ele estava aqui presencialmente. Ela ficou chateada porque teve de ir a outro sítio e depois veio cá e fez questão de dizer que queria escrever no livro de reclamações porque tinha ido a outro lado fazer a impressão, tinha saído mal e que pagou mais. Mas então tu vens reclamar porque a tua impressão não saiu bem e imprimiste noutro sítio? E vens reclamar aqui? Ela disse que devia ter sido impresso cá e não foi. E ainda nos disse que não devíamos trabalhar assim. Eu disse-lhe com todas as letras: vocês são pobres e mal agradecidos! Eu dispenso do tempo de dormir, de estar com os meus filhos para vos ajudar e nem assim chega! S: Mas não temos só coisas más, atenção! Is: Esses foram os piores episódios. Mas não é tudo mau. MT: E os melhores episódios? S: Temos um muito bom, foi um gesto muito bonito que tivemos. Foi de um aluno que andava cá e depois foi para fora trabalhar e fez a tese e ele mandou a tese por email, imprimimos. A mãe dele veio cá porque ele não estava cá, veio entregar e ele na semana a seguir a mãe dele veio-nos trazer dois arranjos de flores que ele tinha mandado vir para nós para nos agradecer por termos tratado da tese dele. Foi um dos gestos mais bonitos em termos de reconhecimento que nós tivemos! IV: Esses miminhos acabam por compensar, não? S: Sim, e alunos que vão para fora e voltam e nos trazem sempre uma coisinha. É engraçado termos também esse lado e não ser só coisas más. Depois há aqueles alunos que pronto… Mas acaba por ser mais bom do que menos bom. MT: Desde que começaram a trabalhar cá e começaram a ter mais contacto com a arquitetura e connosco, acham-nos pessoas, digamos «diferentes»? S: Não, não acho que vocês sejam maluquinhos. Vou-te ser sincera, quando vim para cá chorei baba e ranho por vir para aqui. Porque diziam-me que esta faculdade era muito difícil e que os alunos eram muito difíceis. Era a fama que tinha. «Não vás trabalhar para a faculdade de arquitetura, aquilo é tudo grandes formatos! Aquilo é muito complicado!» E o nosso colega que estava cá e eu vim substituir entrou em parafuso, por isso é que fomos trocados. Ele disse que não aguentava, era muita pressão e o ambiente de trabalho não sendo tão bom, não puxas pelo teu colega e entras em parafuso também. É muito difícil trabalhar assim. Quando me disseram que vinha para a faculdade de arquitetura foi um choque muito grande. Eu não quero ir para lá! Mas depois de trabalhar cá, é preciso entender também o vosso lado e o que é o curso. Este curso não é pera doce… Agora se vocês são diferentes ou malucos? Isso não, mas há pessoal que… é estranho. Há pessoas que não compreendo como é que estudam aqui. Há certas pessoas que são difíceis, mas chegam lá. (…) Mas se me perguntares se eu algum dia quero sair daqui? Eu não quero. IV: Essa seria até a próxima pergunta! Do que sentiriam mais falta? S: Se eu por acaso eu for despedida ou sair daqui ou ela sair, eu saio também. Eu já disse: uma das condições pela qual eu estou cá é por causa dela. Nós trabalhamos muito bem juntas e para além disso somos muito amigas uma da outra. Uma pessoa puxa pela outra. Se acordamos todos os dias de manhã para vir para um sítio que gostemos de estar, cinco estrelas. Agora, se tiveres um ambiente muito mau não dá. Is: E nem é só isso. Há pessoas, alunos, funcionários que nos são próximos e também gostamos de estar aqui por causa disso. Mas, principalmente, temo-nos uma à outra. S: O nosso patrão às vezes brinca connosco a dizer que nos vai separar! Olhe, se nos separar garanto-lhe que me vou embora. Sozinha aqui não dá. IV: Para terminar, gostariam de deixar algumas palavras para os novos alunos que cá entraram, e até mesmo para nós que já cá estamos há mais tempo? S+I: MUITA PACIÊNCIA! S: E gozem a vida, aproveitem o curso… Is: Ui, estás a pensar exatamente nas mesmas coisas que eu? IV: Isso é coisa de almas gémeas… S: O curso passa muito rápido e nós vemos alunos, principalmente do primeiro ano, que entravam em parafuso… E eu digo: tem calma, que o segundo é pior. E depois chegas ao terceiro até vais espumar… Is: Muita paciência e boa disposição. S: Aproveitem os anos. A faculdade passa num instante e vocês até vão querer voltar aqui. Vocês fazem as vossas amizades aqui. Is: É que o mundo fora daqui, a realidade, é muito difícil. Não tem nada a ver. IV: Andaram na faculdade? Is: Eu andei. Eu tirei Design de Comunicação. Ainda hoje faço alguns trabalhos, mas não é o suficiente para me sustentar. Tirei o curso na ESAD. S: Eu por opção, não. Eu queria psicologia, não tem nada a ver, mas não quis mesmo seguir. Na altura estava muito cansada, entrei em conflito com os meus pais e disse que não queria. Is: Infelizmente, aquilo que realmente gosto de fazer não é suficiente para sustentar uma família. Mas é a realidade, temos que nos adaptar. S: Se precisarem de alguma coisa de design gráfico, já sabem! Is: Se precisarem de ajuda em Photoshop, Indesign, eu posso ajudar. S: Ela tem muito bom gosto, foi ela que me fez os convites para o meu casamento.

Fotos: Aúna Nunes